A madrugada tomava conta da casa e a preocupação já afastara todo o sono que sua velhice conseguia suportar até aquela hora. Nada da filha. O sabor do desgosto era amargo. Tanto esforço feito na vida para criar sozinha aquela criatura que dera a vida, para ela chegar na adolescência e virar uma jovem menina irresponsável e fujona. Quanto amargor!
Desde novinha, aquela sua menina nunca foi de obedecer. Fácil de se irritar, cheia de teimosia. O maior dos seus trabalhos na vida foi criar aquela menina. Mas aquela fugida no meio da noite era demais para suportar. Sabia que haveria alguma festa de forró pelos bairros de Teresina, mas não eram para uma moça tão jovem como sua filha. Pelo menos era o que sua mente de mãe cuidadosa dizia. Por isso, ficaria em claro a espera do retorno da menina…
E ela aparece, afinal! Com cara de quem se divertiu e fez coisas erradas, merecia levar uma surra… Mas ela não era de bater. A única surra que sabia dar era com palavras. Vestiu o papel de mãe rígida e começou a brigar com a filha fujona. Mas o que recebeu em troca foi muito mais do que imaginava um dia receber: violência.
A menina teimosa pareceu uma porca enfurecida e se jogou para cima da mãe com toda raiva inconsequente. A mãe assustada não sabia o que fazer até ser acabar mordida no rosto e nas outras partes do corpo. Não reconhecia sua menina naquela atitude. Não conseguia reconhecer nem um ser humano sequer!
Ferida, jogada ao chão, encarou com os olhos a chorar a violenta jovem a sua frente e nesse instante a viu correr para dentro do quarto e se trancar ali para sempre.
Do outro lado da porta trancada, a jovem arfava de modo descompassado e dentro da sua cabeça alterada se passava toda espécie de sentimento ruim: da raiva pela mãe que ficava no seu pé à profunda tristeza pelo o que acabou causado na sua pobre mãe. O que acabara de cometer a atingiu de forma tão intensa que, naquele instante, não era mais ser humano: havia se transformado num animal repulsivo, grosseiro e cheio de confusões mentais.
Nunca mais saiu do quarto como ser humano que um dia foi. Nunca mais voltou a falar com a mãe. Nem a pedir perdão. Mas toda a sua teimosia e compulsão são despertadas nas noites de festa na cidade de Teresina. E, à meia noite, o animal grotesco em que se transformara sai de casa para assombrar as pessoas que, após as festas, pelas ruas passeiam. Se for você uma dessas pessoas, pelos bairros Porenquanto, Marquês, Matadouro, Piçarra ou Vermelha, pode ser que dê de cara com o que relatam ser uma imensa porca, a arrastar as tetas e as pelancas pelo chão. Além de mostrar algo que pode ou lhe assustar ou lhe encantar: um só dente de ouro. Ouro que reluz à luz do luar de Teresina.
Escrito por Evilanne Brandão.