Lá por entre as terras da Piauí, numa grande fazenda de gado, uma criança se revirava noite e dia na barriga de uma escrava, chamada Catirina. A gravidez dela já estava do meio para o fim, mas ela continuava esbanjando força nos trabalhos de escrava naquela fazenda. Só que, como resultado desses trabalhos pesados, sempre lhe restava noites de fome. Para complicar, a comida servida aos escravos era coisa que a criança, que gerava ali dentro de si, não apreciava. E eis que numa noite calorenta, um desejo profundo e intenso por comer língua de boi a surpreendeu da pior forma.
– Chico, homem, ou eu como uma língua de boi bem temperada e assada ou esse teu filho aqui vai sair de dentro de mim antes da hora e me rebentar ao meio. – Catirina reclamou ao marido.
Francisco, também escravo de terras piauienses, achou aquele desejo da mulher completamente sem lógica. Como pode essa mulher desejar algo tão diferente e impossível para a situação em que eles viviam? Mas tamanha era a loucura da esposa, que ficou a noite em claro a praguejar esse desejo por língua de boi, que Francisco, preocupado, pensou em cometer uma loucura: matar um dos bois do senhor fazendeiro na calada da noite. Ele foi até o curral, silenciosamente, e lá dentro, às escuras, alcançou o primeiro boi por perto e enfiou o facão na garganta do animal. Só que Francisco não tinha experiência em matar animal desse porte e acabou que o boi entoou um som de dor que acordou toda a fazenda.
Alarmado com aquele som de horror, o Senhor da fazenda saiu disparado para o curral e lá encontrou a pior cena da sua vida: o seu boi preferido, o maior e mais forte, estava agonizando, cercado pelo próprio sangue e por todos os escravos que acordaram para ver o que se passava. Dentre os escravos, estava o conhecido Chico amarrado por ter sido identificado como o autor do crime. O Senhor da fazenda teria o condenado na hora se não fosse a tristeza que o invadia. Não conseguiu manter a compostura de homem forte diante do seu boi predileto a morrer e ele se entregou ao lamento sobre o animal. Mas logo mandou irem buscar os melhores curandeiros da região para salvar a vida do seu nobre animal.
Os melhores pajés se reuniram com os curandeiros de toda espécie e transformaram todo o espaço do curral em palco para um ritual de ressuscitação daquela vida que jazia recente. E, assim, o boi ressuscita para a felicidade de toda a fazenda.
Tanta felicidade essa que o Senhor concedeu o perdão ao escravo Chico após saber que o motivo de sua atitude criminosa foi a de satisfazer o desejo da sua mulher grávida. E, assim, todos sãs e salvos festejaram a vida do boi com toda fartura e alegria.
Todo ano que se seguiu desde aquele ocorrido, naquela mesma data, a festividade era comemorada, com reunião de todos da fazenda e arredores – chegando a se expandir para além das terras piauienses – para honrar aquele boi cheio de vida.
Escrito por Evilanne Brandão.