Batalha do Jenipapo

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Na manhã do dia 13 de março de 1823, pela região de Campo Maior, na Província do Piauhy, alguns relatos passavam despercebidos pela história, mas ainda sussurram instantes preciosos de vidas que valem a pena serem lidos e recordados…

Antônio tomou a sua mulher nos braços e, com força, desejou que o medo nos olhos dela não se concretizasse. O corpo magro do amor da sua vida tremia e soluçava. Ele falava para a mulher – “meu bem, seja forte, sou homem forte, vai dar certo, vamo conseguir”. Mas não tinha muita certeza sobre o que falava. Na verdade, o medo também existia dentro dele. Enquanto aproveitava aqueles últimos minutos com a mulher nos seus braços, olhava para o velho facão e uma porção de facas de cozinha que tinha em casa em cima da mesa… Aquilo que um dia ajudara a cortar comida para se alimentar deveria servir para matar alguns portugueses infelizes. Se conseguisse tirar a vida de pelo menos um, já se sentiria campeão…

Inácia nunca pensou que um dia viveria o que estava se passando ali na sua casa. Fazia tão pouco tempo que seus cabelos se pintavam de branco e, durante toda sua vida, nunca imaginou que viveria um combate direto com os colonizadores da sua terra. Os netos, filhos e genros estavam ali, agitados, a falar apressados, um tanto de coisa que ninguém estava conseguindo acompanhar. Disseram que o tal português Fidié estava retornando da Vila de Parnaíba. Rumava para a capital Oeiras para pôr fim a independência proclamada. – “Não pode!” – “Fi de égua!” – “Vamo matar esse homi” – “Não vai passar vivo pra Oeiras” – “Vamo matar esses portugueses” … Vozes cheias de raiva, energia e certeza. Inácia ouvia aquele debate dos homens da sua casa e queria acreditar naquela luta. Não ousava interceder, nem os desanimar. No rosto, vestiu a imagem de força que queria passar para seus descendentes guerreiros. Mas, no fundo, a preocupação embranquecia mais e mais os seus fios de cabelo…

Isabel, nas pressas, descascou a macaxeira cozida para o pai se alimentar. Ainda era cedo para comer comida pesada, mas ele precisaria estar de barriga cheia pelo resto daquele dia. A mãe sacodia o gibão de couro, o mais bonito que o marido tinha, e organizava a munição da espingarda de caça. Aquela arma era a salvação do seu pai, Isabel sentia. Queria que naquela sua casa tivesse outra arma daquelas e ela mesma iria para a batalha. O pai mantinha o olhar fixo no nada. Não sabia o que se passava na sua cabeça. A mãe também não. Era uma família um tanto silenciosa. Mas Isabel tinha orgulho da força dos seus pais. “Nasci nessa terra, meus pais também, e não vamo mais nos subordinar a esse povo que nem aqui nasceu e nem tão interessados em aqui viver, só em explorar!” – ela pensava, com toda sabedoria e astúcia que tinha. E o silêncio da casa foi interrompido por gritos de chamado pelos guerreiros lá fora. Era hora de partir. O pai levantou como se fosse soldado muito bem treinado. Beijou a testa da filha demoradamente, vestiu o gibão e agarrou a espingarda que fora carregada com as balas pela sua mulher. O olhar profundo dessa senhora o acompanhou até a saída para a guerra…

Assim como o pai de Isabel, muitos homens piauienses saíram de suas casas após a última alimentação de forma interrompida. Como os filhos, netos e genros de Inácia, muitos mais saíram de suas casas cheios de energia e força para o combate. Saíram dos braços de suas amadas, como Antônio, muitos Franciscos, Josés e tantos outros nomes não registrados nas páginas da história. Tampouco tiveram lápides para serem merecidamente identificados.

Naquele dia de março, com sol árduo, às margens do Rio Jenipapo, uma vastidão de guerreiros filhos das terras piauienses – também receberam esforços de filhos das terras maranhenses e cearenses – ultrapassaram toda a lógica do medo da falta de armamento e da falta de treinamento. Em compensação a tais faltas, estavam repletos de patriotismo e determinação por não aceitarem mais se subjugar aos comandos de Portugal. A sonhar com a independência.

Partiram para cima das tropas do Major Fidié e entregaram suas vidas em contribuição ao alcance desse sonho por independência. Ainda que naquele dia, naquela sangrenta batalha, tecnicamente, o vencedor tenha sido o exército português, as vidas dos brasileiros, que ali jaziam nos campos próximos ao Jenipapo, não foram em vão. Mesmo sem armas de guerra e sem experiência para a batalha, tamanha foi a força mostrada por aqueles bravos homens, que o Major determinou que suas tropas desviassem os rumos para Caxias, no Maranhão. Deixou a independência proclamada em Oeiras ganhar raízes e esforços do restante do país. E, assim, deu forma ao que hoje é o Brasil – uma soberana unidade territorial de norte a sul.

Unidade essa que hoje é fácil de ver, mas que poucos realmente sabem o que tornou essa união possível. Mas se quiser saber, basta se predispor a ouvir os sussurros dos instantes preciosos de vida daqueles homens e mulheres da Província do Piauhy… Ouvir os relatos que o Jenipapo guarda, sem registros, nos ossos dos que jazem naquela terra… E, então, tudo ficará claro: o que uniu esse país foi o sangue, os suores e as lágrimas desses guerreiros da Batalha do Jenipapo.

Escrito por Evilanne Brandão.

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