Baleia Azul – Lendas Piauienses

Dona Maria Helena aproveitava a hora após o almoço, quando o sono de barriga cheia vinha aos jovens, e o silêncio reinava na casa. Nessa hora do dia, ela se embalava nas memórias da sua vida, sentada na cadeira de balanço, na sala de estar da casa onde vivera. A janela da sala ficava aberta e dava uma bela vista para a Igreja São Benedito. O sol, naquela manhã, estava até ameno comparado ao calor de costume que vivia em Valença do Piauí.

Maria Helena nasceu nessa cidade há um pouco mais de oito décadas. Apesar da velhice registrada, as memórias ainda eram coisas vivas em si. E toda tarde após almoço, ela gostava de lançar o olhar para aquela Igreja Matriz e a imaginação para toda a história que viveu e ouviu falar.

Sua história preferida era a da Baleia Azul. Não adianta os jovens falarem que era lenda. Nada de lenda! A Baleia existiu para seus bisavós, seus avós e seus pais… Todos repassam aquela história da Baleia, pois acreditavam ouvir o ressonar da Baleia Azul nas madrugadas dentro daquela casa. A casa onde nasceu, cresceu e onde haveria de morrer. Dona Maria Helena nutria esse carinho pela moradia e a crença na Baleia – que jurava que também ouvia.

“Mas, para ouvir esse animal tão grande, tem que ter coração de valenciano e tem que ter mergulhado quando menino nas águas do Caatinguinha…”. Só pode ser, acreditava, pois os filhos e netos não diziam acreditar. Mas ela se recusava a desacreditar.

A Baleia fez, séculos atrás, uma viagem muito longa, do litoral do Piauí até chegar naquela cidade que nem formada direito estava. O enorme animal encontrou ali naquelas terras um rio farto – na época, decerto, o Rio Caatinguinha era algo formoso e grande de se impressionar! Cansada de toda a viagem, de um só gole, a Baleia bebeu quase toda a água desse Rio, deixando muito menos do que antes havia. Repousou a cabeça em um lugar próximo ao o que restou do rio e adormeceu profundamente. Esse sono perdurou séculos e até hoje é possível ouvir o ressonar da Baleia Azul, de vez em quando.

Em cima de onde está a cabeça desse animal adormecido, hoje encontra-se construída a Igreja Matriz de São Benedito – que data de 1727. Conta-se que o rabo da Baleia se encontra a 40 quilômetros dali, embaixo da Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Aroazes. “Que animal mais santificado essa Baleia Azul, escolher repousar debaixo de terra santa…” – imaginava Dona Maria Helena, a balançar na sua cadeira.

Apesar de acreditar na religiosidade da Baleia, Maria Helena também recordava os medos que teve ao longo da infância e juventude. Por morar na região onde estaria a cabeça da Baleia Azul, ela ouvia de muitas pessoas que a qualquer momento esse animal poderia acordar do seu sono e, erguendo-se, destruiria todas as construções da região e devolveria toda a água do rio Caatinguinha. Cada mínima rachadura na Igreja São Benedito era motivo para alarde na sua família – que por isso sempre foi preocupada com a manutenção dessa construção sagrada na cidade de Valença do Piauí.

Pesadelos de terremoto e inundação povoaram a imaginação da pequena Maria Helena por muitos anos… Mas na mente da Dona Maria Helena dos dias de hoje, nessas tardes pós-almoço, o que resta é a compreensão de que a Baleia Azul não iria destruir seu lar, tampouco aquela cidade onde ela escolhera descansar eternamente. Não faria isso porque a Baleia viveu e ainda vivia compartilhando histórias de famílias inteiras, incluindo a daquela senhora valenciana. “E não se destrói algo tão significativo assim” – Maria Helena sempre de modo concluía.

Escrito por Evilanne Brandão.

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