Lavo os pés no mar
como lavadeira de rio
que encharca as mãos
nas águas
das correntezas
perenes
e bate
o coração na pedra
de um cais nostálgico
e puro
Lavo os pés no mar…
(Ó Parnaíba,
eram as putas do Munguba
– que as chuvas de
dezembro a maio
riscaram da paisagem
da Quarenta,
onde as vadias
revelaram
o custo dos seus sexos? –
o largo calor do porto,
onde mulheres fulminantes
recendentes dos desejos
queimaram os seus lençóis
por fardões brancos
nas miragens azuis?)
Lavo os pés no mar
como prostituta náufraga
que vive na faina
da vida
que alaga o corpo
de fluidos profundos
e resseca
a vagina nos falos
dos bêbados
pervertidos
Lavo os pés no mar
como oceano perdido
que passa foragido
na península da alma
como sangue nativo
no amor aos dias
como pássaro da ilha
no ar das tardes
como areia da terra
na dor deste inverno
Lavo os pés no mar
como xanana que reluz
aos sonhos do viajor
e se espanta feroz
nos fogos do ardor
Lavo os pés no mar
como imaginário
que se quis solitário
como fantasia
que se disse solidão
como magia
que se contradiz só
em silêncio
anoitecido
Lavo os pés no mar
como Tempo
que reflui
saudade
Lavo os pés no mar…
Poema de Diego Mendes Sousa (Parnaíba, 1989)
Do livro de poemas Coração Costeiro (2016)
Fotografias de Parnaíba, litoral do Piauí.