Impossível estuprar esta mulher cheia de vícios, de Fernanda Silva

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Foto: Helder Fontenele

Hoje, dia 24/02/2018, tem apresentação da performance “Impossível estuprar esta mulher cheia de vícios” de Fernanda Silva, às 20h no Espaço Trilhos. E conversamos com a atriz para saber mais sobre a sua vida e obra.

Fernanda Silva começou a ter contato com as artes ainda na infância, pois foi criada no quintal de um circo sem lona, imagens e resíduos da memória que ficaram guardadas na memória. E para ser mais precisa ela cita a lembrança arquetípica e simbólica do palhaço, ou palhaça, como algo que permaneceu nas lembranças, um humor que resistiu.

Mesmo sem dar continuidade ao circo, Fernanda engajou-se na arte e passou a assistir aos espetáculos da Via Sacra. Posteriormente cria o Grupo Metáfora, 1994. E com a reforma do Porto das Barcas, ponto turístico de Parnaíba-PI, a atriz começa a ensaiar no local. O grupo atuou bastante com apresentações nos anos noventa. Segundo Fernanda:

“Só em 2014 eu entrei na condição de Fernanda e vi um legado de Fernando ser negado. Então tem a cena que vamos entender a nova performance, que vamos entender como o texto chegou até mim.

Quando eu me descobri HIV teve um impacto, depois se eu me declaro uma pessoa convivendo com HIV, AIDS, eu preciso entender o desconforto que essa informação vai causar. Eu tornei pública a minha condição de pessoa convivendo com HIV quinze anos atrás, comecei a ir à mídia e me colocar publicamente como uma figura humana que está disposta a quebrar um tabu.

O que o HIV traz para minha consciência é que banalidades valem a pena serem vividas, concretizados e como enxergar a tua finitude, como lidar com isso de forma mais real.

Eu não morri, não foi o meu fim. Então, a arte foi virando a vida sem eu me ocupar disso. Só que chegou o momento que confrontei com a certeza de que eu não podia existir num papel masculino e de que essa aderência a um papel de gênero é como um dogma, reforçado pelo hábito, se dá na cultura, se reforça com o passar dos anos. Em algum momento natureza e cultura se expressam com a linguagem, a natureza pensa ser a Cultura quando a gente pensa que a palavra substitui o lugar da coisa. Então em algum momento se falou em homem e mulher e a percepção do corpo virou cultura.

E a mesmo contesto que criou essa armadilha te dá elementos para romper essas armadilhas. Tem um momento que tua mente te dar forças para escorregar. Você não tem mais que segurar e agarrar uma legitimidade que foi dada pelo corpo que você nasceu. No caso eu nasci no corpo de um homem com o psiquismo feminino. ”

Quando Fernanda surge, tudo ganha outra dimensão. Ela conta que passou a enfrentar a reação das pessoas, o embate público, assombro diante das violências enfrentadas. E o corpo já sensibilizado com a ideia de finitude, de morte, começa a vivenciar esse novo dilema. A Fernanda rebentou as barreiras internas para viver e a partir daí a Fernanda passou a estar no mundo, vestir-se como Fernanda e dessa relação com o mundo, a arquitetura e a rua ela cria a sua primeira performance “Deleuze e MacBeth” surgiu em 2005.

“The Lady Macbeth”; “Uma pequena dança para Penélope e sua cachorra”; “Involuntários da pátria”; “Olga, a vagalume contadora de histórias” e “Impossível estuprar essa mulher cheia de vícios” são espetáculos que falam da resistência, que mesmo com os obstáculos a Fernanda existe.

No “Impossível estuprar essa mulher cheia de vícios” Fernanda toca nessas questões, usando o texto do livro Teoria do King Kong (2016) da escritora francesa Virginie Despentes. O “Impossível estuprar essa mulher cheia de vícios” é o terceiro capítulo da obra e é a narrativa da experiência de violência sexual que a autora sofreu. Texto que tocou profundamente Fernanda, pois o capítulo mostra toda a violência que cruza a vida de uma mulher.

“HIV NÃO É AIDS, demorei para entender que eu não morreria dali a alguns dias. Em dois mil e quatro recebi o resultado e fiquei apavoradíssimo. Naquela época ainda vivia como o Fernando. E já tinha uma sólida carreira como Artista Cênico em Parnaíba, aqui, nesse pedacinho da costa brasileira, entre o Ceará e o Maranhão. No ano seguinte decidi publicar na internet a minha condição de um ser humano que passava a conviver com o vírus da AIDS por debaixo da pele e fui surpreendida com muitas pessoas me abraçando na rua e chorando compulsivamente. Mas eu não morri. Mas tive que passar por experiências terríveis como um grupo de adolescentes que me gritaram: TU TEM AIDS VIADO! TU TEM QUE MORRER! E senti um medo indescritível deles me perseguirem e eu acabar morta. Ali, em plena rua e sem ninguém fazer absolutamente nada. Depois, fui para a televisão estimular o uso de preservativos e alertar a população sobre fim dos considerados grupos de riscos. Em seguida me debrucei sobre a responsabilidade de ministrar palestras em inúmeras escolas da minha cidade. Em 2014, entrei nesta condição que querem chamar de transgênero e adoto o nome social de FERNANDA SILVA. E fui quase linchada por 150 alunos de uma escola municipal, ameaçada de ser agredida inúmeras vezes, constrangida dentro de banheiros de instituições culturais e passei a colecionar Boletins de Ocorrência até acionar o Ministério Público Estadual e me deparar com a ignorância de Promotores e Advogados. Então, realizo esse post para que considerem, HIV não é AIDS e eu ainda sou o Fernando e a Fernanda e sou múltipla escolha pela vida…”

 

 

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Foto: Helder Fontenele

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