De janela a janela, de Lazarus Silvestre

velho-pensando

Vi o velho através da janela. Cabia na moldura, da cintura aos cabelos brancos assanhados, e o velho tinha uma expressão desanimada.

Primeiro desceram suas malas do compartimento de carga e uma velha segurava a etiqueta da passagem, na porta do ônibus. Agora o velho seguindo pelas janelas até a saída. Seguia devagar, quadro por quadro, janela por janela, até surgir através da porta. Ainda de expressão desanimada – via em seus olhos. No rosto uma máscara branca, daquelas cirúrgicas.

Nas mãos as sacolas com marcas de clínicas e desenhos de órgãos: olhos, corações, pulmão, etc. Segurava aquele monte de papel como se fossem pequenas borboletas que devemos ter o cuidado para não esmagá-las entre os dedos.

Era câncer, com certeza. Enquanto descia, uma fila de novos passageiros se formava na plataforma de embarque. Mulheres, crianças pequenas e maiores, umas que ainda seguravam peitos leitosos na boca, homens com enormes pilhas de caixas de produtos e muitos outros velhos. Também senhoras e senhores, cabelos ralos, acompanhados por seus filhos e parentes, que levavam nas mãos os mesmos embrulhos com raios X e receitas de médicos.

Esses também com expressão de desânimo; aqueles olhos cansados e os gestos vagarosos.

As pessoas se apressavam em embarcas suas malas e sacolas, agarravam os braços dos miúdos ou davam beijos de despedida. Um homem chorava apoiado na coluna, enquanto a mulher acenava por trás do vidro. As pessoas vivem com pressa. Mas esses velhos, não. Levam consigo poucas coisas – exceto exames e listas de remédios – pouca roupa, só o essencial; poucos dentes; pouca vida.

Veem os outros passageiros com parcimônia e um desapego necessários, como se não vissem ali pessoas da mesma natureza humana. Somos realmente estranhos. Não. É que nos falta fibra, as certezas e experiências necessárias. Corremos para a vida, isso sim. Eles já não correram, agora caminham como levitam. Nós nem nos vemos nos olhos, sempre correndo. Já eles, eles se encaram devagar, conscientes e com a compaixão de suas condições de vivos e velhos. Acenam com gestos, sorrisos – para aqueles que não usam máscaras – ou com o silêncio.

Eram uns cinco velhos na plataforma: dois senhores de roupas sociais bem sociais e três senhoras com vestidos floridos e de vários tons. Vinham do centro da cidade, do “Polo Médico”, numa caravana de saudades e lembranças. Um deles comendo castanhas perdidas na gengiva; outro puxado pela mão fina. Olham-se. Sorrisos. Depois se viram para o ônibus, enquanto uma moça chora com esperança, porque a mãe não vai morrer de câncer. Foi o que o médico disse no consultório essa manha.

E eu bem novo – com pressa – com reflexo na janela da velhice.

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