Das estações, de Lazarus Silvestre

chuva no vidro

Temos estações bem distintas do resto do país. Enquanto boa parte do ano faz muito calor em temperaturas altíssimas, sempre o suor nas têmporas, a pele ressequida de tanto evaporar a transpiração – e segundo a meteorologia com sensação térmica de 45º graus –, as chuvas são escassas, resumida em alguns meses.

O calor aumenta de setembro a dezembro, mas a irregularidade causada pelos problemas ambientais contribui para, vez ou outra, a chuva invadir um céu do meio dia ou um crepúsculo do fim da tarde, e é comum – sempre o foi, desde quando me entendo por gente – avistar-se um arco íris cortando o cume das casas, cobrindo uma mangueira ou nascendo de um lago e os pingos de prata refletidos e luminosos com aqueles raios de sol dourado e as raposas jurando amor em algum terreno baldio.

Agora aqui está nublado. Uma garoa que não impede ninguém de sair de casa, ir até uma farmácia ou fazer a feira do domingo. Muito menos trabalhar. Na rua, os carros deslizam devagar, o para brisa ligado o som de pingos leves sobre a cabeça, tocando a lataria do carro.

Parei no semáforo em tom vermelho e um casal rapidamente ocupa a faixa de pedestre, rostos pintados com aquele nariz vermelho de palhaço e começam um espetáculo de malabares. Atiram facas de um para o outro, jogam ao ar, passam por baixo das pernas. Entra um terceiro personagem tocando melodias em uma rabeca, o som agudo e agitado como se fugisse de uma chaleira fervente em ebulição. O rapaz volta e segura tochas acesas, faz uma fogueira sair pela boca. Tudo rápido.

Uma mocinha passa com o chapéu na cata das moedas, cruza uns seis veículos e as pratas tilintando. Aumenta e continua a garoa e a maquiagem já desbotando nos rostos.

Da mesma forma são os feirantes, que se perdem impacientes no labirinto de barracas. Frutas, roupas em bazar, peças de vidro e pilhas e peixeiros, com seu odor úmido e nauseante que o vapor gelado da garoa faz reverberar pelas narinas.

Da esquina, enquanto espero a vez para comprar uma sacola de maçãs, vejo a água do esgoto, com sangue e escamas, que desce a rua; vejo os filhos dos peixeiros ainda de pijamas – eles chegam cedo e trazem as crianças para amanhecer entre o grito dos vendedores e o burburinho daquela gente –; cobertos, debaixo de lonas, tomando cafés e outros com mamadeiras, os cabelos desgrenhados, sorrindo, ouvindo os pais que já trabalhavam a mil.

A garoa não impede as pessoas de trabalharem, não impede a vida de seguir rumo e o que fazemos é procurar uma varanda, pessoas disputando centímetros de calçada. Mas, no fundo, gostamos do frio que de tão fraco e rápido quase é artificial.

Alguém reclama, mas somente pela sensação ruim de que se está molhado ainda de roupas, o tecido aderindo à pele. Mas os menos tímidos olham para cima, sentem os pingos tocarem a face, andam a esmo sem guarda-chuva deixam mesmo o cabelo orvalhar.

O vigia do carro é um rapaz conhecido que mora ali perto da feira e da minha casa. Havia coberto o vidro da frente com um papelão, nesse paradoxo, quando a proteção é para o sol, para evitar os raios quentes invadirem o interior do veículo. Mas o costume do sol é que faz a prática inconsciente.

São poucos os meses assim de umidade e de chuva. Aproveitemos esse Janeiro, então – enquanto dure.

Saio no carro de vidros abertos. O vigia fica na rua, cigarro nos dedos, passa as moedas para os seus filhos que pulam a calçada, com pés encharcados da poça formada pelos pingos que começam a engrossar e ganhar vida.

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