Fiquei estático, eu diria inerte ou tácito, tanto faz, poucas coisas importam quando paramos, e se essas pequenas ações que comporão o nosso repertório performático diário não importam, acabarão descartadas pela nossa lixeira mental. É comum empurrar para a periferia da nossa atenção os assuntos mais corriqueiros? A nossa língua já os definem, os assuntos irrelevantes, como partículas sem substância. São, pois, espectros, sem potência suficiente para impactar a nuvem de assuntos que flutuam na sopa neural dos pensamentos. Por isso, pensando tais bobagens, tentando entender a mecânica das minhas divagações, eu permaneci parado com uma caneta inanimada.
E existem canetas animadas? Parei, não vou mergulhar na plasticidade dos significados conotativos da linguagem, nem conseguiria fazer isso com excelência. Admiti a minha incapacidade de bom grado e repousei a ferramenta, embebecida com tinta nanquim, sobre o papel límpido.
Traguei o ar gélido, certo da intoxicação da mistura de gazes tóxicos tão inodoros e imperceptíveis no ambiente urbano. Eu poderia escrever a respeito da minha relação com o ambiente, sobre como percebo fenomenologicamente o tempo. E era um vício escrever sobre o tempo mesmo quando não era oportuno, penso que o tempo deva ser a lei física mais difícil de ser refutada, mas o que eu poderia saber do assunto se a exigência por especialistas me afastou há tempos das ciências naturais? E o tempo é lei ou a “matematização” do devir?
Fiz de novo, por isso tenho quase certeza que a caneta sempre, ou quase sempre, temeu a estética dos meus pensamentos. Ergui-me, tentei alongar meu corpo, fiz um exercício mental para imaginar-me numa ilha paradisíaca. Se a técnica funcionasse, em poucos segundo os primeiros versos deveriam fluir. Creio que a ilha não era tão deserta como eu supunha, pois escutei gritos emitidos, possivelmente por alguma persona non grata exilada por ter cometido a infração de perturbar a ordem com aqueles ruídos ensurdecedores ou alguma contravenção afim.
Observei a folha, a caneta e a tinta que escorria tirando o império do branco. Obviamente aquilo não era arte, mas o percurso vagaroso da gotícula preta me fez pensar em sangue e na dor de jogar no papel tudo que feria meu corpo, mesmo o que me fere e não rompe a barreira da pele, ainda que a força da ferida não arranque o sangue de dentro das veias.
Olhei para a pilha de papeis descartados, quantas palavras gastas, quantas folhas inúteis fizeram das árvores que lhes deram vida um produto sem finalidade. Vi no espelho um rosto desconhecido, um fragmento de todos os meus sonhos vencidos pela verdade cruel exposta no papel. Deixei o corpo pesar e desafiei a gravidade, ruí sem resistência alguma, caí propositalmente sobre a cama que me acolheu com seus braços e cobertores. Entendi o recado, eu não sou um escritor. Desisti, parei de lutar e veio o primeiro verso.
Autor: Alisson Carvalho