É véspera de réveillon, e meu país carece de esperança. Duas horas atrás, o presidente transmitiu o seu discurso oficial carregado de impropérios e – como disse o Fante – “2017 foi um ano ruim”. O país deveria ser outro. Estávamos em nosso terceiro golpe político, a democracia é um papel de embrulhar pão.
Mas… já viu a satisfação de um fumante que, na falta de um fósforo, encontra outro fumante com aquela brasa acesa? Isso, claro, só serve para os fumantes. Bom… mas há uma satisfação, aquela luz. E assim é a chama de um desiludido da política do seu país, que sente a esperança de dias melhores ao avistar aquela fagulha de esperança brilhando nos olhos de outrem.
Pensava enquanto dirigia. Uma avenida larga e deserta. Duas pistas silenciosas com reflexo de luz amarela e bruxuleante que vinha dos postes. No meu percurso tenho por obrigação que cruzar a BR 343, que corta a fachada da Rodoviária que, àquela hora, parecia abandonada há séculos e, na noite alta e escura, deixava ver sua estrutura de concreto, suas colunas, seu globo imperioso numa cadência luminosa, ainda dos enfeites de natal, aquele brilho colorido.
Quase deserto, ou melhor, duas ou três pessoas que perdiam horas curiosas. O vendedor de café e bolos numa barraca, uma televisão ao volume mínimo, ele sentado de costas para a rua, um taxista – também solitário – aproximava-se.
Seguia a uns quarenta por hora e dava para ver os motoristas nas suas solidões. Vestiam fardas alinhadas, engomadas; atravessavam a faixa de pedestre no sentido dos seus postos de trabalho e logo pegariam suas funções, seus trajetos, seus volantes, tomariam uma estrada tão negra como a noite; tão solitária quanto a minha.
Aqui, o homem parecia falar só:
“A previsão é de chuva. Boa parte do Nordeste nublada, com pancadas de chuva à tarde”. Um péssimo dia para piquenique – pensei.
“E agora aquela que embalou o natal”, continua a voz, tão baixa e contínua, “a mais pedida desse ano, depois de duas décadas”. O homem calou-se, tomou fôlego e com voz grave de monge: “Happy Christmas”.
Toquei o volume do rádio, topei o cursor. A música parecia tocar em todas as pousadas que margeavam aquela avenida. Uma ou duas janelas acenderam por trás de cortinas. Ouvidos atentos com janelas que deixavam brilhar estrelas no alto, naquele negror.
Não vi lua, mas vi, a uns dez metros adiante, um carro de cor cinza/prata – difícil na noite – e três pessoas que conversavam encostadas no capô. A rodoviária havia ficado para trás a uns vinte metros e todo enfeite de luz tinha sucumbido na distancia. Na estrada, eles estavam na mais escura solidão.
Procurava – ou imaginava – algum retorno na pista dupla. Pensei em voltar. A pouca distancia ficou visível o rosto de dois homens, um mais velho e o outro jovem, e o rosto maquiado da mulher. Conversavam, olhando o motor do carro sob a tampa agora levantada. Sorriam.
Reduzi – velocidade quase a zero – e olhei na pista contrária, buscava socorro naqueles rostos. Só o mais jovem virou-se. Os olhos em mim o ouvido no rádio, que brilhava no seu mostrador azul.
O John ainda cantava suas ultimas palavras de natal e ano novo, quando a voz grave veio falar-nos novamente; veio de encontro a nós. Eles não estão sozinhos, pensei. “Não, nós estamos sozinhos”, disse o locutor. “E aqui, mais uma para acalentar corações e acalmar espíritos…”, as vozes se cruzando entre os carros.
Parti sem medo, e, em pouco tempo, perde-se a calmaria e vem o primeiro estouro de cor vermelha no céu, o primeiro som de esplendor, que anuncia mais um novo ano. Que venham esperanças.
Lazarus Silvestre