A Presença de Burle Marx em Teresina, por Jasmine Malta

Burle MarxRoberto Burle Marx era paulista, descendente de alemães e pernambucanos, um artista plástico versátil, fez esculturas, pinturas, tapeçarias, cerâmicas e joias; e tornou-se um nome mundial no Paisagismo, ou Arquitetura Paisagística. O contato com a natureza, desde a infância, e a paixão declarada pela vegetação brasileira em toda a sua diversidade climática, da Mata Atlântica à Caatinga; fizeram dele o nosso mais singular profissional na área.

A geografia local alterada por sua paisagem vegetativa seguia inovações em termos de cores, traçados geométricos, e liberdade de crescimento para as plantas. Tornaram-se famosas suas expedições com a equipe de trabalho de seu escritório, para pesquisa e coleta nas matas e as incursões sertão a dentro. Seu legado tem influenciado toda uma geração de Arquitetos de Designers de Interiores.

Burle Marx deixou projetos executados em várias cidades brasileiras, inclusive em nossa capital. São conhecidos por sua autoria os jardins da Praça da Costa e Silva, do Rio Poty Hotel (atual Blue Tree Towers), da antiga loja de veículos Automaq (na Av Frei Serafim, que apresenta tantos problemas de preservação patrimonial), do Palácio de Karnak, a sede do Governo Estadual) e do Sítio Maravilha (propriedade particular). Cada um deles com suas particularidades e diferentes estados de preservação.

A Praça Da Costa e Silva era um notável exemplo de socialização da cultura e da arte piauienses. A direta homenagem a um de nossos mais ilustres poetas, autor do Hino do Piauí, estava no nome do equipamento urbano e nas famosas placas metálicas onde seus poemas estavam reproduzidos, expostos aos mais variados visitantes, sensíveis aos seus versos. Edificada respeitando os diferentes níveis do terreno, com espelhos, fontes e quedas d’água, criava um microclima diferenciado à margem do rio Parnaíba. As estruturas metálicas serviam de suporte para o livre crescimento das plantas trepadeiras (ao contrário do que muitos achavam à época, não eram brinquedos para as crianças). E os pés de abricó-de-macaco expunham flores exóticas e seu aroma peculiar. Era um passeio domingueiro festivo e refrescante.

Ao longo das diversas reformas sofridas, inclusive com o extermínio da presença abundante da água, devido ao combate público ao mosquito da dengue, e com o fechamento da Praça por grades, o espaço encontra-se cada vez mais abandonado e descaracterizado em seu traçado específico. Poucas plantas das definidas por Burle Marx, ainda estão presentes, resistindo às intervenções desrespeitosas. O desenho horizontal alternando cores e volumes projetado por ele, está perdido na vegetação que foi colocada para substituir as originais.

O Hotel Rio Poty é em si uma edificação icônica na História da Arquitetura Piauiense, e seus jardins também foram desenhados por Burle Marx. Virou história popular a escolha do paisagista por chananas, flores rústicas de um colorido intenso e grande resistência ao calor para vários canteiros, e os susto dos jardineiros e cuidadores com aquele “mato” plantado ali. As costelas-de-adão seguem crescendo livremente e formado belíssimos aglomerados vegetativos. Novamente por conta do combate ao mosquito, as fontes d’águas foram modificadas, e percebe-se que as alturas das peças de apoio para as plantas trepadeiras também foram alteradas para serem adaptadas como “bancos” para os visitantes e hóspedes. Mas o colorido e a volumetria definidos pelo grande Mestre podem ser notados em espaços de canteiros mais preservados, ou já restaurados. Atualmente o grupo empresarial proprietário do Hotel tem buscado resgatar o projeto original dos jardins, como uma forma de atração turística e fonte de estudo e pesquisa na capital piauiense.

Os jardins que ladeiam o prédio da antiga Automaq, uma loja de carros onde o próprio prédio é uma joia arquitetônica, já sofreram tantas intervenções que os traços de Burle Marx são mínimos, apenas uma pequena parcela da vegetação original ainda resiste em um miúdo canteiro. Outra vez a água foi totalmente excluída do espaço, perdendo uma outra marca projetual bastante identitária do trabalho dele.

O palácio de Karnak é outro espaço em Teresina onde o paisagista deixou sua obra paisagística. Os espelhos d’agua ainda estão lá, mas os jardins estão cada vez mais sendo invadidos por espécies estrangeiras e não apresentam mais a volumetria e a diversidade de cores proporcionadas pela vegetação plantada em sua origem. Os pés de abricó-de-macaco, as costelas-de-adão e uma ou outra vitória-régia ainda resistem às intervenções descomprometidas com esse fantástico patrimônio urbano. É sabido que o Centro Cultural Sítio Burle Marx disponibilizou o acesso ao Projeto desenhado para o Palácio, mas as repetidas reformas o tem ignorado completamente.

Por fim, o Sítio Maravilha ainda apresenta muitos elementos do jardim original em total conexão com o projeto arquitetônico da casa principal e de seu apoio ao lazer, em acordo com as características do paisagista. Há em andamento um projeto de pesquisa acadêmica resgatando sua originalidade plena, para que ele seja apresentando à sociedade e aos estudiosos da área. Por ser uma propriedade privada seu acesso é restrito e controlado. Ao final dos estudos, o resultado da pesquisa será uma forte contribuição para valorizar a presença do paisagismo de Burle Marx em Teresina.

A questão da preservação e conservação patrimonial não é um problema exclusivo de Teresina, e nem do Piauí. Cidades históricas brasileiras passam pelas mesmas dificuldades, assim como também vemos esse impasse em outros locais do mundo; por conta do enfrentamento entre o “moderno”, o “novo”, e o passado, ou o “velho e antigo”. Onde muitas vezes em nome de um progresso a qualquer custo, não há o devido compromisso com a História, a Arte, a Cultura e a Identidade locais. A consciência de que a valorização patrimonial é um compromisso de todos, e não apenas do poder público, também contribui significativamente para que essa memória coletiva edificada permaneça viva, inalterada e servindo ao propósito para o qual foi realizada: a convivência estética humana.

Jasmine Ribeiro Malta – Designer de Interiores, Professora, Artista Visual

Total
0
Shares
4 comentários
  1. Em 2018 Burle Marx mantém seu posto de gênio sem nenhuma dificuldade.

    Seus jardins cativantes atraem olhares até mesmo dos mais distraídos, e novos fãs nascem a cada ano, sejam das faculdades de paisagismo ou de qualquer apreciador da arte de arranjar seres tão imóveis mas mesmo assim tão vivos e alegres.

    Entre tantos projetos belos que assinou, temos orgulho de poder passear por suas obras, mesmo que alteradas, e respirar o aroma de flores tão exóticas que hoje nos parecem familiares depois de tanto tempo andando entre elas.

    Um Artista com A maiúsculo, aqui descrito por uma apaixonada por arte que nada deixa a desejar nos diversos ramos que envereda! Belo texto e bem vinda ao Geleia Total!

  2. Bacana ler um texto da Jasmine. Bacana um espaço como esse. Mergulho em mundos paralelos.

    Ernâni Getirana (Coletivo P2, Pedro II, PI)

  3. O texto da professora e artista, Jasmine Malta é, além de tudo visceral, telúrico. Guarda reminiscências extraordinárias e nos convida a um passeio, por vezes nostálgico, pelos espaços que, embora descaracterizados, ainda guardam a assinatura de Burle Marx.

    Obrigado pelo belo texto…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Postagens Relacionadas