No idos de 2006, um livro que cometi, foi agraciado com o 2° lugar, na categoria poesia, no extinto Concursos Literários do Piauí. O edital “prometia” uma pífia premiação em dinheiro e a publicação dos três livros laureados em único volume (o que já era bastante ruim), os vencedores foram: 1° colocado – Yone de Safo de Adriano Lobão, 2° – preces subversivas de Adriano Abreu e o 3° – Bifurcações no Diagrama do Tempo do Demétrios Galvão.
Através de uma luta perversa, consegui receber os mil contos do prêmio em dinheiro e, a arte da capa, ilustrações (feitas com mestria pelo Chico Fialho) e o livro todo diagramado, foram entregues para pessoa responsável pela suposta publicação que jamais aconteceu. O certo é que todo esse material, a extinta FUNDAC, fez o enorme favor, de fazer desaparecer. Resumo: após 11 anos do fato, nunca mais falou-se sobre o assunto.
Acredito que o Adriano Lobão e o Demétrius Galvão tenham publicado seus alfarrábios, por conta própria, já o meu “preces subversivas” (executado com letras minúsculas), foi sepultado no abismo do esquecimento e, eu tratei de lacrar o tumulo, com o concreto da minha prática teatral que, justificadamente, massacrou o escritor.
Escrevi ainda mais dois livros, também não tive vontade de publica-los, ambos permanecem natimortos, em páginas esparsas, esperando as traças, contudo, os poeminhas contidos, naquele livrinho de “orações” insurretas, teimam em ressuscitar e sentir a aridez dessa terra que trata seus poetas como objetos de inutilidade pública.
Reproduzo então 2 poemas (um curto e outro não tão longo), do invariavelmente inédito, “preces subversivas”:
pai nosso para os sobreviventes
pai nosso que mora nos atos da desobediência civil
santificado seja o cuspe que jogo na cara do opressor
venha a nós o peixe a casa o trabalho o amor e a arte
seja feita a equidade nas existências
nos dê hoje mais perspicácia que o argentário
perdoa se matarmos agentes da crueldade
assim como perdoamos quem teme morrer
não nos deixe cair pai nosso
…
Semanário
oração da segunda-feira
7:30
a cidade freme
roupas maiores que os corpos
irmãos pedem esmolas em um semáforo
imediações da maternidade dona evangelina rosa
senhor, tenha piedade de nós
oração da terça-feira
12:00
a cidade come
magríssima, a senhora
pede-me ajuda no bairro porenquanto
digo: não tenho trocado
responde: não quero dinheiro
dou-lhe a massa de milho
o calor tocou nossas mãos
senhor, tenha piedade de nós
oração da quarta-feira
17:20
a cidade se encarniça
manobra perigosamente o motoqueiro
à margem direita do rio parnaíba, na av maranhão
tenta agredir, mostrando os culhões, dois playboys
e a camionete importada
sorridentes, tiram o gosto da escarrada
que repousa, parte no asfalto
parte no braço esquerdo no mototaxista
senhor, tenha piedade de nós
oração da quinta-feira
15:30
a cidade fica para trás
esquálido, o menino pede o resto da coxinha
que devoro com gosto na rodoviária de campo maior
resisto
argumenta que não almoçou
vencido
rodando, aprecio garças
pontuando o gramado
decorado por carnaúbas
senhor, tenha piedade de mim
oração da sexta-feira
22:30
a cidade entoca-se
passeia na rua deserta o engraxate
na contraluz do poste sob a chuva triste
na av jacob de almendra, perto do sanatório meduna
impossível vislumbrar cena mais bela
dele tenha piedade, senhor
oração do sábado
9:00
a cidade ventila
alquebrado, o mendigo
traga deliciosamente o seu cigarro
num banco da praça pedro II
defronte um ator verseja cecília meireles
senhor, tenha piedade de nós
oração do domingo
11:10
a cidade desobriga-se
riquíssima, a velha repousa no caixão
na capela do hospital são marcos, na rua olavo bilac
seu filho, senador, chora inconsolável
centenas de carros de luxo
vieram acompanhar o cortejo