“Nenhum mal te sucederá,
Nem praga alguma chegará a tua tenda. ”
Salmos 91:10
Este ensaio escrevo-o, para mim, e para o grupo que pertenço (Coletivo Piauhy: Estúdio das Artes). Todavia, creio que pode contribuir de forma humilde com outros artistas e comunidades de pessoas que se dedicam a arte de construir sonhos pelos palcos da vida.
Para meu ser, Teatro, tornou-se tão essencial como a fé, o amor, oxigênio e proteínas. A poética teatral me serve de linimento, sem contraindicações, para os males do nosso tempo. Infelizmente, na proporção exata que existem teatros que curam, existem os que adoecem seus espectadores e construtores.
O velho Stanislavski, um dos santos seculares do teatro, bradava pelas salas de ensaios e camarins: “- Não ponham seus pés sujos de lama no teatro”. Falava porque acreditava que o processo de construção e execução de uma obra de arte teatral era ( e de fato é) tão importante quanto seu resultado. Os grandes homens e mulheres das artes cênicas na contemporaneidade já acreditam nessa verdade. Tão precioso quanto o que o público vê é o que os atuantes (atores e atrizes), diretores (as) e técnicos vivem nos meses, por vezes anos, que antecedem a apresentação do objeto estético.
Numa sociedade depressiva, ansiosa, hedonista, profundamente egoísta, como manter os processos de construção de espetáculos a salvo das pragas epidêmicas do nosso meio? Impossível! Os grupos, coletivos e comunidades teatrais não podem ser encarcerados em bolhas de plásticos, imunes ao contágio de um mundo visivelmente doente. Esforço individual e conjunto são necessários no sentido de combater, ou pelo menos minimizar, os efeitos destrutivos das doenças emocionais e psicossociais que, não raro, atiram no monturo grandes perspectivas artísticas.
Vaidade desmedida, invejas internas e externas, maledicências estúpidas, estrelismo exacerbado (motivado por busca incontrolável de sucessos efêmeros), agressões gratuitas e fortuitas, são sintomas claros que “a lama” não foi retirada dos pés ao entrarmos no Teatro.
O filosofo e poeta americano Ralph Waldo Emerson explicita: “- O que você é grita tão alto em meus ouvidos que eu não posso ouvir o que você está dizendo”. Muitos coletivos e artistas não se reconhecem enfermos, aí não há solução possível, com o tempo, que tudo revela, os problemas aparecerão graves e irremediáveis, a doença se instalou no processo. Provavelmente, aquele trabalho construído com tanto esforço tende a desagregação.
Como manter a sinergia nos grupos artísticos?
Devemos acreditar que o Teatro, como instituição milenar, é muito maior e mais importante do que nós individualmente. Nomes e imagens carregadas de caráter personalistas devem ser substituídos por nomes e imagens completamente identificados com aquilo que representam, a arte de atuar e suas inúmeras vertentes.
Diretores (ou encenadores) vaidosos geram grupos vaidosos; Diretores preguiçosos produzem grupos preguiçosos; líderes ingênuos sofrem com grupos obtusos. A lógica não se esvai, mesmo em organizações onde a criação coletiva é muito presente e a liderança não explicitamente definida, urge um líder que democraticamente, mas sem passar mãos nas cabeças, controle ou expurgue os malefícios ocasionados durante a feitura do trabalho criativo em equipe. Essa figura, geralmente, é representada pelo Diretor (encenador em alguns casos). Ele é o referencial na grande maioria das comunidades cênicas. Portanto, apesar de sua importância não ser maior ou menor do que qualquer um dos envolvidos no processo deve ser ele o principal responsável pela saúde dos coletivos de criação.
Felizmente, mesmo em comunidades cênicas eivadas de pragas teatrais, é possível a criação de espetáculos de cura. Este continua sendo ainda um grande paradoxo e mais um milagre das artes cênicas.
Por espetáculos de cura compreendo aquele que indo de encontro à subjetividade do espectador consegue construir a possibilidade de reencontro com caminhos existenciais mais frutificadores. Trabalhos que fazem com que seu público (re)-pense seus destinos ou, simplesmente, o faça sentir-se parte integrante da grande irmandade dos seres humanos, são espetáculos curativos.
Produtos culturais doentios no teatro são facilmente identificáveis: o espectador defende-se, parte de uma posição de neutralidade para o escárnio barato ou vulgar com os que representam a peça. Deus meu, quantos vezes me surpreendo chamando o trabalho dos colegas de porcaria, quanta falta de visão. Após apresentação de um espetáculo que adoece a assistência traz na alma germes da desesperança, futilidade e até certa dose de perversidade.
Homens e mulheres de teatro não há possibilidade real de amarmos coisas elevadas na nossa arte e, ao mesmo tempo, fazer concessões a estultices, assim na arte como na vida. Tudo é vida.
Porém, é sempre bom lembrar que todos têm o direito de serem ouvidos, isso é ser profunda e belamente humano. Nossa arte deve transformar-se em elemento de cura social e individual como foi na sua gênese.
Deixemos o teatro que adoece, no processo e no resultado, para os profundamente nugazes ou para os que por opção ou ignorância preferem as sombras da arte. Busquemos a cura.
Adriano Abreu
Tudo passa pela compreensão de nós mesmo. Uma conversa consigo comporá uma rede de todos nós.