Criar é destruir algo, fragmentar ideias e reagrupá-las. Destruir-se para construir o impensável. Há criação no diálogo, no compartilhamento de ideias, na rejeição do novo, na própria ação de inovar. É como devorar. Cada vez que me alimento acrescento algum novo elemento, que não necessariamente é novo, ao meu corpo. Nutrindo o que está em falta, criando reservas para evitar a escassez. Cada vez que preencho o espaço vazio, que não necessariamente está vazio, da minha alma reagrupo tudo que fazia parte de mim. Uma síntese dialética que transcende no jogo dos contrastes.
E onde exatamente aquele novo elemento, aquele novo conceito, me levaria? Aquilo, fundamentalmente, não era novo para público, era novo para mim. Minhas limitações barravam a minha sensibilidade primária e uma estranha sensação de incomodo atraia meu olhar para a porta mais próxima.
Resisti aos meus instintos, enfrentei o tédio, encarei o palco. É preciso consumir, consumir é também destruir, destruindo-se você abre espaço, cria uma brecha para o novo. Tudo bem, nem sempre o novo representa avanço, mas o positivismo preso a palavra era reconfortante. Só porque, quem sabe, fosse melhor acreditar que daquele consumo uma nova substância faria parte de mim.
Insisto, consumir não é tratar como produto, consumir é acabar com as reservas, e se fosse preciso eu consumiria o tempo para que aquela tortura findasse o quanto antes. Então eu teria empreendido um esforço improfícuo, pois desgastar, gastar e devorar as reservas daquela tortura teria o efeito inverso aos meus desejos. Eu estaria, no máximo, servindo para a reconstrução daquele produto, daquele discurso.
A campainha tocou pela segunda vez. Olhei, resignado, para a pessoa sentada ao meu lado que parecia desatenta. Que diabos era aquilo? O interprete continuava andando pelo palco sem prestar atenção na plateia e a terceira campainha tocou, escutei o espectador vizinho pedindo silêncio ao seu homologo e explicando que acabara de começar o espetáculo.
Respirei fundo, amaldiçoei toda a classe artística. Como foi difícil entrar no teatro, como foi difícil comprar o ingresso, como foi torturante sentar, escolher um lugar, esperar por uma representação qualquer. Há quantos anos mesmo eu não visitava aquele lugar? O desconforto foi sendo substituído por uma sensação esquisita de compatibilidade, bastou um olhar do interprete e fui acorrentado por uma estranha força, algo que deturpava a minha certeza de ojeriza pela arte. Eu quis resistir, eu quis teimar contra aquela sensação, eu quis… Fiquei despido, o olhar fixo e cruel do interprete me alcançou, encontrou-me perdido na plateia, minhas mãos procuraram abrigo, meu corpo desconcertado tentou esquivar-se, desviei o olhar, ele confirmou, era comigo. Como seria a partir daquele momento? Saí diferente, não transformado, mas diferente. Observei o mundo com mais cuidado e voltei para a rotina maçante dos meus pensamentos.
Autor: Alisson Carvalho
Foto: José Ailson Nascimento