Olhar meu, olhar teu

Avelar Amorim

Existe uma coisa pior do que não ser vista por alguém que você tanto ver? Até pouco tempo atrás, eu não saberia dizer. Guardava esse questionamento comigo e ia dormir todas as noites cansada e acompanhada por essa dúvida. Hoje sei que sim, existe algo pior. Acontece que, sinceramente, não ser vista por você tem sido o pior para mim. Há meses que eu só sei te ver. Todos os finais de semana, quando vou tocar piano naquele elegante bar e restaurante, você está lá. Cliente fiel. Porém, sempre solitário. Bebe um vinho acompanhado por um prato de queijos finos. Curte a música que eu toco, mas ao invés de me ver e encarar meu olhar, você faz o contrário: fecha os olhos e deixa a cabeça balançar suavemente no ritmo do piano. Você era tudo o que eu via e continuava vendo mentalmente, mesmo depois que pagava a conta e a noite acabava. Mesmo depois que eu fechava meus próprios olhos tentando dormir. Eu seguia te vendo, mantendo minhas esperanças de um dia ser vista por você. Até a noite de ontem, quando você chegou acompanhado por uma mulher. E você só tinha olhos para ela! Toquei a noite inteira, cheguei a repetir músicas que sei que você gosta, só para chamar sua atenção. Mas nada. Ao final da noite, beijou-a. Intensamente. E eu vivi aquele momento do beijo alheio com profunda tristeza. Por fim, foram embora enamorados. Percebi que nunca teria mesmo o teu olhar. Já devia pertencer a ela. Mas não sei se meu olhar conseguirá pertencer a outro alguém, senão a você. E isso, sim, é bem pior do que não ser vista por alguém que tanto se ver.

Pintura de Avelar Amorim.

Escrevo e compartilho arte no Leves Breves – site, perfil no Instagram, página no Facebook.

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