Envelope, de Fernanda Paz

Começamos a namorar.

Enlouquecida deixei que tudo acontecesse muito rápido.

Primeiro se foram os olhos.

Ele me arrancou um de cada vez. Comecei a poder ver menos, devagar fui me acostumando e quando me arrancou o segundo eu já não senti tanta dificuldade de adequação. Não pude mais ver nem mesmo a ele, o que fazia, com quem convivia.

Mas eu o amava e deixei.

Da outra vez foi minha boca. Deixei de opinar. Na hora não vi necessidade porque certas coisas que saíam dela visavam nosso próprio bem estar.

Mas eu o amava, e podia aprender a viver sem falar.

Arrancou-me um dos ouvidos. Poucas coisas eu podia ouvir dele antes de me arrancar o outro. Do que conversava com os amigos, do que lhe diziam as outras garotas.

Mas eu o amava e não me importei.

Quando me arrancou um braço, ainda consegui dirigir por um tempo. Eu queria estar nos lugares. Mas sem os dois braços, passei a ficar mais tempo em casa. Sequer podia fazer o que eu mais gostava: escrever.

Mas eu o amava e acreditei que faria bem.

Um dia me arrancou as pernas, ambas ao mesmo tempo.

Nosso relacionamento se resumiu a cama, pois era o lugar onde eu conseguia passar todo o tempo sem queixas. Confesso que foi difícil essa vida.

Mas eu o amava, e me contentei com suas visitas e frases de amor.

Entretanto, muito tempo de cama me fazia ter certas reflexões.

Quando ele apareceu para mais uma visita de amor, eu estava pronta.

Com um envelope na mão entreguei-lhe numa pulsão risonha.

Ele abriu e pôde ver.

Lá dentro estava todo o meu amor. Eu o estava devolvendo em troca de mim.

Com dificuldade ele aceitou, e me devolveu tudo de uma vez só: olhos, pernas, braços, ouvidos.

Agora ali estava eu, com tudo que precisaria para recomeçar.

E ali estava ele, com o meu e o seu amor nas mãos.

 

Fernanda Paz

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